Durante quatro anos (1989 a 1992), o município de Santos viveu uma experiência administrativa que já está inscrita em sua história: o Governo de Telma de Souza, uma santista de nascimento, filha de políticos, combatente pela recuperação da autonomia política da Cidade, fundadora do Partido dos Trabalhadores (PT) na Região.
Com os olhos voltados para o novo, vontade de fazer e força para construir, Telma mudou a cara de Santos. Quando passou o cargo a seu sucessor, David Capistrano, também do Partido dos Trabalhadores, em janeiro de 1993, pesquisas de renomados institutos como o Ibope e Datafolha indicavam 97% de aprovação ao seu governo.
Santos mudou com Telma. Com ela o santista descobriu que uma cidade pode ser administrada com ousadia, honestidade, rapidez nas decisões e também com alegria e amor.
Santos é uma das 15 cidades do mundo a integrar o Programa de Cidades Modelo para aplicação da Agenda 21. Esse documento é um desdobramento da Agenda 21, resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente - ECO-92, realizada no Rio de Janeiro em 1992. A escolha de Santos foi feita pelo Conselho Internacional de Iniciativas Ambientais Locais (ICLEI), organismo ligado à ONU, com sede em Toronto, no Canadá.
Vários programas de Santos foram desenvolvidos em conjunto com o ICLEI, durante os governos do Partido dos Trabalhadores, sendo recomendados às municipalidades como modelos de ação na área da proteção ao meio-ambiente e ao desenvolvimento sustentado.
Simultaneamente à recuperação das comportas (que no governo David Capistrano viriam a ser substituídas por equipamentos automatizados) foi feito um trabalho de detecção de ligações clandestinas de esgotos, que esteve a cargo de estagiários da Universidade Santa Cecília - UNISANTA. Eles vistoriaram 31.000 imóveis, especialmente aqueles localizados nas proximidades dos canais, detectando 23.000 ligações irregulares de esgotos, que iam parar no mar da baía, contribuindo para poluir as praias.
Com esse trabalho - que custou muito pouco aos cofres públicos, porque a infra-estrutura já existia desde o tempo de Saturnino de Brito -, os riscos à saúde pública foram consideravelmente reduzidos e o poder público pôde dar início ao processo de recuperação da imagem ambiental da cidade.
Iniciado em novembro de 1990, o Programa de Recuperação das Praias de Santos contou com a cooperação técnica da Cia. de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - Sabesp. Consistia em desviar as águas poluídas dos sete canais da cidade para uma estação de tratamento e dali para alto mar. Para que isso fosse possível, houve a necessidade de recuperar o sistema de comportas instalado no início do século pelo engenheiro Saturnino de Brito, quando ele construiu os canais que integravam o Projeto de Saneamento da Cidade de Santos.
A criação do jornal da Prefeitura, em abril de 1989, significou duas vitórias do governo Telma de Souza: o rompimento do cerco que 'A Tribuna', único diário da Cidade, já começara contra sua administração; e o lançamento de uma nova forma de fazer imprensa oficial. "Uma coisa, na verdade, sempre esteve ligada à outra", explica Telma, hoje. "Não conseguiríamos romper esse cerco pretendido por 'A Tribuna', na condição de representante das forças mais conservadoras de Santos, se não produzíssemos um jornal que cativasse a população, que superasse a natural má vontade que as pessoas têm com os chamados órgãos oficiais".
A solução encontrada pelos profissionais encarregados dessa tarefa foi a mais simples e objetiva possível: fazer do Diário Oficial do Município um verdadeiro jornal. Na prática, isto significava dar um tratamento técnico às matérias publicadas pelo D.O.URGENTE nome fantasia escolhido para definir a publicação.
Ou invés de projetar a imagem da prefeita, infringindo a lei e irritando os munícipes, o jornal divulgava as ações administrativas em seus detalhes, informando a população de tudo o que estava sendo feito em cada área do governo. A prefeita Telma de Souza só aparecia nas fotos em que sua presença fosse absolutamente necessária; seu nome só ia para a manchete quando ela era a fonte real da notícia. Optou-se por fugir do personalismo.
Simultaneamente, o D.O.URGENTE criou várias seções: uma delas acompanhava o noticiário dos meios de comunicação sobre a Cidade, reproduzindo a notícia original e colocando embaixo a versão da administração. Com isto conseguiu-se desmascarar inúmeras mentiras e evitar que a opinião pública acumulasse uma imagem distorcida da Administração Municipal.
Outra seção respondia às cartas recebidas pelo Gabinete da Prefeita, pela Assessoria de Comunicação da Prefeitura ou pela própria Redação do jornal. Essas respostas sempre continham informações de interesse público e contribuíam para difundir novos esclarecimentos.
Uma terceira mostrava como funcionavam os vários setores da administração e como os munícipes poderiam obter aqueles serviços.
Outra TUDO DA CIDADE trazia matérias sobre a história, a economia, os aspectos turísticos, a cultura, as personagens santistas.
Essas seções, somadas ao tratamento jornalístico das matérias do D.O.URGENTE, fizeram da publicação um imediato sucesso editorial: sua tiragem pulou dos 5 mil iniciais para cerca de 30 mil exemplares, ao longo de seis anos, e sua fórmula passou a ser copiada por várias cidades de São Paulo e mesmo de outros estados, não necessariamente administradas pelo Partido dos Trabalhadores.
O espírito que norteou a criação do D.O.URGENTE foi adotado para todas as demais ações de comunicação da administração Telma de Souza. Ou seja: ênfase na prestação de serviços e divulgação dos atos do governo.
Outras ações:
Seis em cada cem cidadãos santistas têm formação universitária, enquanto a média do Brasil é de apenas 0,5. A da Áustria é 7. A europeia é de 3,3. E a norte-americana de 2,6.
Isoladamente, Santos tem também o recorde latino-americano de escolaridade média, com oito anos. Ainda longe dos padrões ideais, este número está, no entanto, muito além do índice médio brasileiro, que é de três anos.
Esses números resultam da prioridade dada por Telma de Souza à Educação Básica, desde o seu primeiro dia de governo. Esse trabalho foi continuado na administração seguinte, do Partido dos Trabalhadores. Tanto que, em oito anos, o número de escolas municipais aumentou de 28 para 40, e o acesso à escola foi universalizado, chegando-se na rede pública municipal de Santos ao índice de escolaridade de 11 anos, um dos maiores do mundo.
Os números abaixo referem-se ao período de 1995/96, durante o governo David Capistrano, após as políticas de Educação implantadas pelo PT durante o governo Telma de Souza, que se estendeu de 1989 a 1992).
Até 1989, 50 pessoas já haviam morrido em deslizamentos nas encostas dos morros de Santos. Naquele ano, Telma de Souza assumiu a prefeitura da Cidade, dando início a um trabalho que marcaria sua administração, pela simplicidade das medidas adotadas e, principalmente, pelo envolvimento dos moradores dessas áreas na solução do problema.
A ocupação dos morros santistas é quase tão antiga como a cidade, que tem 466 anos de fundação. Ao longo dos séculos fixaram-se ali muitas famílias portuguesas da Ilha da Madeira, de onde trouxeram a delicadeza de seus famosos bordados e o segredo da fabricação da boa aguardente de cana, esta plantada nas terras do próprio morro. Os portugueses, em sua maioria, se instalaram nos locais mais firmes e seguros. Mas, nas últimas décadas, em decorrência da crise social do país, centenas de migrantes nordestinos passaram a ocupar as encostas íngremes.
Apesar das tragédias que se repetiam a cada temporada de chuvas fortes, pouco ou nada era feito para se buscar uma solução. Argumentava-se que seriam necessárias obras custosas e tudo ficava do mesmo jeito. A primeira providência tomada pelo governo Telma de Souza foi estabelecer uma parceria com o conceituado Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo, que realizou o mapa geológico do local, identificando os pontos de risco e sua gradação. A partir desse levantamento, todas as famílias que habitavam áreas perigosas foram cadastradas. Aquelas que ocupavam áreas de alto risco foram removidas e incorporadas ao programa habitacional da Prefeitura, com prioridade.
As demais, que se encontravam em áreas de médio ou baixo risco, passaram a receber informações e treinamento sobre situações de emergência, integrando os Núcleos de Defesa Civil (Nudecs) dessa parte da Cidade. Assim, em épocas de chuvas prolongadas ou fortes, os próprios moradores estavam capacitados a detectar ameaças de deslizamentos, multiplicando o trabalho das equipes mantidas pelo poder público municipal. Resultado: a partir de 1992, as mortes causadas por chuvas foram zeradas nos morros de Santos.
No dia 28 de fevereiro de 1991, depois de uma greve geral em que Santos parou em defesa dos mais de 5.300 portuários demitidos pelo governo Collor, os trabalhadores retomaram seus empregos num ato cívico que emocionou milhares de pessoas por toda a Cidade. Por trás daquele ato estava a firmeza e a coragem de Telma de Souza, que chamou para si a responsabilidade e soube de imediato mobilizar os mais diferentes segmentos sociais em defesa do futuro de Santos. O episódio entrou para a história da Cidade, tanto que a Câmara Municipal aprovou a criação do “Dia da Resistência Portuária”, comemorado todo dia 28 de fevereiro.
Foram essas mesmas qualidades e princípios que levaram Telma de Souza a buscar no exterior, mais particularmente no porto de Barcelona, na Espanha, o modelo que considera mais justo para fazer a transição do porto santista rumo à modernidade. Espelhando-se na bem sucedida experiência daquele importante porto europeu, Telma colocou em debate a proposta de se estabelecer uma administração tripartite para o Porto de Santos, da qual fariam parte em condições de igualdade o Governo, os Trabalhadores e os Empresários.
O Porto de Santos continua confirmando a tendência histórica de crescimento da movimentação e reafirmando sua posição de principal terminal marítimo brasileiro não- especializado.
Uma das maiores realizações do governo Telma de Souza foi a construção do sistema de saúde de Santos, formado basicamente por uma rede de 21 policlínicas que cobriam as necessidades dos moradores de todos os bairros, garantindo-lhes o primeiro atendimento de forma completa e com qualidade. A estrutura criada por Telma transformou-se em modelo nacional e exemplo para outros países, com aplausos de organismos brasileiros e internacionais, como o Ministério da Saúde e a Organização Mundial (OMS).
O programa de controle da Aids da cidade foi considerado modelo internacional de eficiência, a partir da mudança de enfoque adotada pelo governo Telma de Souza. Da atenção aos soropositivos até a educação preventiva nas escolas; do sistema de vigilância epidemiológica às garantias legais dos direitos dos pacientes e o combate à discriminação, Santos saiu da condição de cidade com maior incidência de Aids por mil habitantes, para a vanguarda mundial no enfrentamento da epidemia. Incidência por 100 mil/hab estabilizou- se em 1995.
Da mesma forma que agiu preventivamente, o governo Telma de Souza criou programas pioneiros no país, como o de Internação Domiciliar e o de Saúde Mental, hoje recomendados como modelos para a América Latina, pela Organização Panamericana de Saúde, organismo ligado à Organização Mundial de Saúde.
Na Saúde Mental, particularmente, o que aconteceu durante o governo Telma de Souza foi uma verdadeira revolução de costumes, em Santos. Até então, a cidade convivia hipocritamente com um "hospital psiquiátrico" - a Casa de Saúde Anchieta - que era uma fábrica de ganhar dinheiro com a loucura, onde se adotavam as mais bárbaras "técnicas de tratamento", como surras e eletrochoques. Telma interveio no "Anchieta" e, a partir dali, criou uma estrutura descentralizada de atendimento às pessoas com doenças mentais, formada por Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), em que o apoio familiar era fundamental.
Estudo da Universidade de São Paulo, em agosto de 1995, concluiu que a média de dentes cariados, extraídos ou tratados entre as crianças santistas até 12 anos era de 1,7. A Organização Mundial de Saúde considera bom para o ano 2000 a média de 3 dentes. Esse resultado transformou em modelos internacionais os programas de saúde bucal desenvolvidos pelo município de Santos, que começavam o atendimento ainda na maternidade e chegaram a 50 mil escolares em 1996.
Uma das consequências mais evidentes da recuperação da balneabilidade das praias de Santos foi a volta dos turistas à Cidade. Quando Telma passou o governo a seu sucessor, os paulistanos já haviam redescoberto Santos.
Naquele ano, 1993, o velho charme santista voltara à moda, "agora cheio de badalação e com muitas novidades", conforme definiu a revista Veja São Paulo, de 6 de janeiro de 1993:
"Seus 8 quilômetros de praia estão recuperados e mais limpos que boa parte do Guarujá, o aluguel de um imóvel ali sai 50% mais barato que em Ubatuba e a cidade fica a um terço da distância de Ilhabela", dizia a revista, contando que a razão do milagre estava mesmo na limpeza do mar.
Não há empresário do segmento turístico em Santos, hoje, que deixe de reconhecer o mérito do governo Telma de Souza na retomada de seus negócios. Nos anos subsequentes ao governo Telma, no verão de 1994/1995, por exemplo, Santos registrou a presença de 3,2 milhões de turistas, que gastaram cerca de R$ 120 milhões em seu comércio. Um recorde absoluto apontado pela própria Embratur, que acabou indicando Santos como a cidade que mais atrai turistas estrangeiros na região. No verão de 1995/1996 foram 3,7 milhões de visitantes.
O que marcou o Governo Telma de Souza, em Santos, foi a agilidade de sua atuação. Mesmo na área habitacional, onde os recursos necessários ultrapassavam a capacidade de investimento do Município, as providências foram tomadas já nos primeiros meses da administração. A idéia que norteou esses passos foi a de que, se não havia recursos disponíveis, havia onde consegui-los, dentro do País ou no exterior. Mas, para isso, era preciso que as solicitações de financiamentos estivessem calcadas em projetos sérios, abrangentes e honestos.
Foi assim, por exemplo, que nasceu o Projeto Dique, destinado a urbanizar toda a região denominada "Dique da Vila Gilda", onde moravam mais de 3.000 pessoas, instaladas sobre palafitas, vivendo sobre as águas fétidas de uma área alagada pela maré.
Telma sabia dos problemas técnicos que precisavam ser enfrentados e, mais ainda, das dificuldades de se obter dinheiro para dar início às obras. Na falta de recursos internos, foi primeiro buscá-los no exterior, obtendo o apoio de agências internacionais de financiamento e depois do próprio Governo Federal.
Quando passou o governo de Santos a seu sucessor, também do Partido dos Trabalhadores, em janeiro de 1993, tudo já estava encaminhado para a concretização da grande obra de urbanização do "Dique da Vila Gilda". Quatro anos depois, vencendo todas as dificuldades, cerca de 800 casas haviam sido construídas, em substituição às antigas palafitas, e o Projeto Dique tornara-se irreversível. Seu modelo foi reconhecido internacionalmente e levado, a convite, à Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos, a Habitat 2.
Mas o programa habitacional dos governos democráticos e populares não se limitou à urbanização do "Dique". Este foi apenas um dos 16 projetos executados ou iniciados ao longo desses oito anos (1989 a 1996), entre próprios ou em parceria com o governo estadual.
No total, 6.700 famílias tiveram ou estão tendo sua cidadania resgatada, beneficiando-se através da compra de imóveis financiados a baixo custo, regularização fundiária de seus terrenos ou urbanização de seus lotes. Deixaram de conviver com ratos, mosquitos, mau cheiro, falta de água, instalações elétricas precárias, ausência de rede coletora de esgotos. Superaram o medo das inundações provocadas pelas chuvas, pela maré alta e pelos deslizamentos das encostas dos morros da Cidade.