
Confira a íntegra do documento produzido pelo ITS com as propostas do seminário "Políticas Públicas para População em Situação de Rua", realizado em junho de 2025.
Carta Aberta: Políticas Públicas de Acolhimento à População em Situação de Rua de Santos e Região
Introdução
O evento ocorreu em Santos, na Universidade Santa Cecília (UniSanta), no dia 16 de junho. O Seminário foi conduzido pela Presidente de Honra do ITS e Ex-Prefeita de Santos, Telma de Souza, com a participação de personalidades nacionais, como o Padre Júlio Lancellotti – Vigário Episcopal da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo e referência internacional desta luta – e a ativista Eliane Dias – empresária musical e do ramo da moda, produtora cultural e ex-moradora de rua na sua primeira infância.
Houve também a participação de entidades e lideranças regionais que atuam junto ao segmento, como Laureci Dias, representando o Movimento Nacional de Luta da População em Situação de Rua, Priscylla Coutinho (Associação Donnas da Rua), Luciana Surjus (Núcleo Div3rso/Universidade Federal de São Paulo – Unifesp) e Fernanda Gouveia (Associação de Desenvolvimento Social às Famílias - Adesaf).
A Carta Aberta é resultado da participação das 500 pessoas que marcaram presença no evento, indignados com a ausência, insuficiência ou negligência na execução de Políticas Públicas eficazes que atenuem o sofrimento da parcela mais vulnerável da sociedade. A elaboração da Carta Aberta é o saldo efetivo e concreto deste Seminário Regional, a partir das propostas trazidas pelos palestrantes e participantes.
Historicamente, a Região Metropolitana da Baixada Santista enfrenta expressões da desigualdade social regional, o que requer articulação entre os municípios da Região e os três Poderes constituídos: Executivo, Legislativo e Judiciário, além da participação direta e prioritária da sociedade civil neste processo. Por tais razões, este Documento está sendo encaminhado aos nove Prefeitos e todas as câmaras municipais da Região Metropolitana da Baixada Santista.
O objetivo é dar protagonismo a um dos temas mais sensíveis da atualidade, abordando humanização, garantia de direitos, acolhimento, escuta e solidariedade. A população em situação de rua necessita deste suporte institucional para superar a atual condição de miserabilidade.
A fragilidade daqueles que têm seus direitos usurpados e a dignidade humana ferida em todas esferas são pontos de partida para que o acolhimento e o acesso a direitos básicos sejam priorizados pelas administrações municipais, parlamentos locais, Poder Judiciário, universidades, terceiro setor e sociedade civil como um todo.
Propostas do Instituto Telma de Souza para o atendimento humanizado à população em Situação de Rua:
- Adesão do Município ao Programa Pontos de Apoio à População de Rua
Adesão do Poder Executivo Municipal ao programa federal Pontos de Apoio à População em Situação de Rua, instituído na Portaria 933/2025. O programa visa proporcionar acesso à hidratação, cuidados de higiene e autocuidado, espaço para escuta, acolhimento, encaminhamento de demandas relacionadas à violação de direitos humanos.
- Projeto Moradia Cidadã
Criar moradias temporárias de baixo custo para a população em situação de rua, em espaços próprios do Município, para restabelecer a dignidade e a autonomia. Considerar como exemplo o Projeto Moradia Cidadã, do Governo Federal (acesso imediato à moradia, acompanhado por equipe interdisciplinar especializada).
- Programas Habitacionais
Inclusão da população em situação de rua nos programas habitacionais: moradias populares, locação social e reaproveitamento de imóveis e hotéis no Centro da Cidade.
- Criação de Espaços de Atendimento Humanizado
Criar espaços e serviços com atendimento humanizado em territórios diversos, a partir de estudos, é essencial para oferecer serviços descentralizados e espaços de acolhimento à população em situação de rua. É preciso considerar a implementação de serviços de repúblicas nos territórios, como espaços de pertencimento e de convivência habitacional alternativo.
A proposta atinge aqueles sem vínculos familiares, tal como adolescente egresso de unidade de acolhimento ao completar 18 anos; mulheres vítimas de violência e seus filhos; e população idosa e/ou com deficiência.
- Implantação do Plano de Capacitação e Trabalho, com inclusão do Programa Nossa Família
O Programa "Nossa Família" foi criado em Santos no ano de 1995, por meio da Lei Municipal 1.416/95, no Governo David Capistrano (Administração Democrática Popular – 1989/1996) para famílias em situação de vulnerabilidade social e foi referência para o programa federal Bolsa Família.
A proposta defende que ele seja ampliado para a população em situação de rua e que o Poder Executivo crie o Plano de Capacitação e Trabalho, considerando interesses e habilidades dos cidadãos usuários, norteadoras de atividades produtivas. A meta é que os beneficiários sejam qualificados profissionalmente e, gradativamente, conquistem autonomia socioeconômica.
- Remodelação dos abrigos e criação da Casa da Retaguarda
Reestruturar as unidades de acolhimento e atendimento humanitário existentes deve ser prioridade zero para o Poder Executivo, para atender as necessidades atuais, assegurando o atendimento a políticas setoriais e políticas transversais/identitárias (mulher; criança e adolescente; juventude; idoso; pessoa com deficiência; étnico/racial; LGBTQIAPN+).
A Criação da Casa da Retaguarda, ampliando os modelos de Centros Pops, fortalecerá esta política pública, disponibilizando mais um serviço ao segmento.
- Elaboração do Censo Regional de População de Rua
Realizar, de forma conjugada, o Censo Regional da População em Situação de Rua nas cidades da Baixada Santista. A necessidade de um panorama regional qualificará o diagnóstico e a aplicação de políticas públicas unificadas.
- Investimentos e Ampliação do Consultório na Rua
Desenvolver a atuação integrada com a Política de Saúde, considerando a probabilidade de pessoas adictas, associando a intervenção do Consultório na Rua com a Equipe de Abordagem Social. No atendimento às pessoas/famílias em situação de rua, ocorre a presença de pessoas com deficiência física, transtorno mental, demência, o que requer a integração dos serviços de saúde. Os veículos, base dessa política, seguem apresentando graves problemas de manutenção que limitam ou impendem seu uso.
- Sistema Metropolitano de Assistência Social
Diante das demandas comuns, propomos implementar a gestão conjugada aos municípios da Baixada Santista, a fim de articular e desenvolver o Sistema Metropolitano de Assistência Social. É importante aprofundar o debate sobre a Regionalização dentro do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). A Regionalização significa que a articulação regional deve ser desenvolvida com a participação do Governo Estadual, a exemplo do Artigo 13º da Lei Orgânica da Assistência Social: “compete à gestão estadual cofinanciar o aprimoramento da gestão, os serviços, os programas e projetos da assistência social em âmbito regional ou local”.
Além disso, o Instituto Telma de Souza também propõe:
- Priorizar a revisão de estratégias de atendimento ao segmento;
- Prover 5% do Orçamento Municipal para ações da Política de Assistência Social, para ampliação e reestruturação dos serviços;
- Ampliar número de trabalhadores nos serviços da Assistência Social para além da equipe mínima prevista na NOB-RH SUAS, de acordo com a nova demanda de atendimentos e com base em diagnósticos e estudos, por meio de concurso público.
Respeitosamente, estamos à disposição para quaisquer esclarecimentos
Santos, agosto de 2025.
INSTITUTO TELMA DE SOUZA